quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Os engraxates I


Sócrates Santana

Quinta-feira, 13 de agosto de 2009. Saída às 9h. O interfone toca e o porteiro avisa: "O carro já chegou". Peço para aguardar cinco minutos. Escada abaixo. De camisa alaranjada, lentes de coronel e rugas amarradas, o motorista Abdul Legalle aguarda sem descolar o calçado de dedos para fora do pedal. Pronto, de sacola atrás do banco, Legalle seguiu vagarosamente até a BA 93, sentido agreste de Alagoinhas, município de Olindina. Lá, o governador Jaques Wagner inaugura obras do Programa Água para Todos e celebra 51 anos de emancipação política com a população, que realiza a micareta local. Na tentativa de ganhar a confiança de Legalle, puxo conversa e pergunto: "Gosta de carnaval". Ele é taxativo: "Não, prefiro ficar em casa". Pouco a pouco, Legalle desiste das monossílabas e antes de percorrer os 202 km entre a capital e Olindina, consigo tirar do colega de viajem a "origem mestiça", como o próprio diz, da família. O pai, filho de francês. A mãe, árabe. Da relação, numa espécie de êxodo via oceano atlântico, nasceu no convés do navio, Abdul Legalle.

Após duas horas e minutos adiante, Olindina. A primeira porta é a prefeitura. O porteiro é o presidente do PT municipal, o João sem confusão. Faz comentários sobre a região e indica o caminho até a sala do prefeito, João Ribeiro (PSB), que está reunido com o cerimonial do governador, representado pelo marombeiro das cinco da matina, Cléber. Na ocasião, o prefeito transfere para a assessoria uma série de demandas locais, como a construção de uma praça pública para a juventude no valor de R$ 800 mil, projeto que já conta com o apreço do secretário de Desenvolvimento Urbano, Afonso Florense.
O contato com a imprensa é realizado por telefone e a tarefa é compartilhada com o sonâmbulo Edmundo Filho. Abre parêntese. Uma verdadeira antena parabólica, uma onda quântica que trânsita pelo sistema de radiodifusão da Bahia. Diz a lenda que Edmundo Filho não dorme há 2 anos. Fecha parêntese.
Ainda resta no roteiro o reconhecimento da área: estádio para o pouso do helicóptero, dando prosseguimento ao palanque. Por sinal, um outdoor de cervejaria, prontamente encoberto por uma lona preta. No carro, ligo o som na rádio Luandê FM, que anuncia: "Amanhã, a cobertura da visita do governador Jaques Wagner em Olindina, aqui, na Luande FM", penso comigo: "Deu certo ligar para a rádio" e continuo sintonizado na emissora sergipana. "A verdade é que Wagner tá indo na Bahia inteira e levando água boa para muita gente que corria atrás de carro pipa", comenta o radialista. Enquanto isso, um garoto tira o meu sapato repentinamente e começa a engraxar. Sai por R$ 1. Danilo é o nome dele, o engraxate. A tarde finda e o sol desaparece. É noite.

2 comentários:

  1. Se todos assessores tivessem a mesma e genial idéia, o mundo da política, e de suas narrativas, seria muito mais interessante. Bastidores! Que relato, e de qualidade! Sempre em frente, Sócrates, pois seu texto é música para os meus ouvidos e os de muita gente!

    ResponderExcluir
  2. faço das palavras do mestre zeca as minhas...poderia ficar lendo seus textos até o final do dia...
    seu texto é o unico fio de esperança q eu tenho c o jornalismo

    ResponderExcluir