quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Uma conversa faz um governo

Sócrates Santana

De todos os avanços deste governo, a utilização do instrumento de consulta popular é um dos mais importantes. Porque, ao menos na democracia, a maioria das mudanças, ocorre a partir de um encontro, uma reunião, uma conversa. Alguns preferem o termo negociação, como queiram. Nós, contudo, optamos pela idéia republicana da governança. Isto é, a democratização da democracia.
O alargamento, a extensão, o aumento da esfera pública tem como princípio a participação institucional da sociedade civil na estrutura do Estado. Desde 2007, isso ocorre via orçamento participativo, conferências temáticas e na formação de conselhos estaduais, além das mesas permanentes de negociação. Ao invés de dividir tarefas e simplesmente estabelecer parcerias, preferimos compartilhar responsabilidades. Dividir significa separar ao meio. Tome cá. Compartilhar é o inverso, significa sempre repartir “com” alguém. Venha cá. Muitas dessas conversas resultam em ganhos reais, transpondo bandeiras de luta via criação de órgãos públicos pautados pela demanda dos segmentos sociais, como mulheres, quilombolas, juventude e povos indígenas.
Ao longo desses três anos, o governador incentivou ao máximo o diálogo permanente. A divisão entre quem fala e quem ouve foi diluída, ganhou uma interface e virou um sentimento de encontro. Wagner costuma falar sempre que tem oportunidade, que desde 2007, o argumento da força perdeu lugar para a força do argumento na Bahia. Ninguém é melhor que ninguém, ninguém existe isoladamente, tão pouco este município é mais importante do que aquele. A Bahia é uma só e todos os 417 municípios. Pôr um fim, numa conversa, significa sempre pôr um fim à política, que é a arte do encontro. E o fim da política significará sempre, duma forma ou doutra, o fim da liberdade.
Para nós, o encontro com a liberdade passa pela política e o encontro com a política, só existe por intermédio do diálogo. A partir deste princípio, o governo iniciou uma espécie de caravana por todo o estado. Em cada município é estabelecida uma conversa franca com a população, que sugere, reivindica e elogia as ações do governo. São verdadeiras audiências públicas com a presença do governador, que praticamente, pela primeira vez na história, esteve em todos os municípios baianos. Quem tem a oportunidade de acompanhar essas visitas aos municípios baianos, volta e meia ouve um burburinho aqui, um comentário acolá sobre o jeito de governar conversando com as pessoas do governador Jaques Wagner.
A presença do governo em todos os 26 territórios de identidade fomenta a esperança nas pessoas, porque, diferente de outrora, nesta gestão, as soluções não são concebidas dentro de um gabinete. Trata-se de uma prática disseminada por uma escola que o principal professor é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É a experiência de quem sabe que as soluções muitas vezes estão bem ao lado. Seja numa carta, num desabafo, ou na simples combinação de idéias, que só podem ser confrontadas se tiverem a oportunidade de – olhos nos olhos – debaterem.
Após três anos de governo, a forma democraticamente formal que herdamos adquiriu conteúdo e produziu musculatura institucional. As instâncias de decisão foram ampliadas e é plausível afirmar que a população já se apropriou do modelo de democracia substancial construído passo a passo por nós. Sem dúvida, é um legado que dificilmente será desfeito, porque, é sustentado por uma vontade geral, reprimida por décadas e consagrada por um governo transparente e republicano. Um sentimento correspondido por quem faz mais para quem mais precisa.

*Sócrates Santana é jornalista e membro da assessoria de imprensa do governador Jaques Wagner.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Música para os ouvidos da Bahia

Sócrates Santana*

Pra onde vai uma canção depois do acorde final? A pergunta soa só poética, mas, ao menos para 100 jovens do Núcleo de Estudos de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojibá), a resposta está perto da idéia do que poderíamos chamar de "fazer história". Tal sentimento aumentou após a edição número 30 da Revista Muito editada pelo jornal A TARDE, que deliciou os leitores com uma entrevista épica do pianista Ricardo Castro, novo diretor da Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) e principal responsável por uma revolução feita de música de concerto para consertar uma lacuna histórica.
O pianista baiano, natural da cidade de Vitória da Conquista trocou a carreira de sucesso na Europa para transformar a Bahia no maior celeiro de jovens músicos eruditos do país. Depositou no novo governo a crença de uma política permanente de inclusão social da juventude por intermédio da música, inspirado no Sistema Nacional de Orquestras Infantis e Juvenis da Venezuela. Trata-se de uma política de Estado idealizada em 1975 pelo venezuelano José Antonio Abreu, que compreende hoje uma rede de mais de 210 orquestras na Venezuela, atendendo a cerca de 240 mil jovens em todo o país, em sua maioria de baixa renda.
A esperança de Castro enche todos de entusiasmo. Ela recoloca no debate público o papel do artista para a transformação da sociedade e o protagonismo juvenil na seara de qualquer discussão sobre políticas públicas. Sem dúvida, uma empreitada que desafia a lógica de um estado que ignorou por décadas a música e a juventude, e que engessou a nossa arte ao Carnaval de Salvador e as nossas crianças as latinhas. São simplesmente "música para os ouvidos" as palavras de Castro, que participa de uma nova vanguarda, desbravando a Bahia e diminuindo desigualdades ao lado de meninos e meninas da periferia. Em breve veremos a apresentação de um baianinho tão talentoso quanto o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que aos 27 anos atingiu a excelência, quando a maior parte dos músicos leva 40 anos. Dudamel foi convidado para substituir, a partir de 2009, o finlandês Esa Pekka-Salonen na direção musical da Filarmônica de Los Angeles.
A façanha não é pequena. Dudamel começou a estudar em 1999 na Orquestra Sinfônica Juvenil Simón Bolívar, vitrine da excelência do "Sistema", que revelou também o mais jovem contrabaixista da história da Filarmônica de Berlim Edicson Ruiz, admitido na orquestra aos 17 anos, e hoje com 21. Edicson foi abandonado pelo pai na infância, e trabalhava como empacotador em um supermercado para ajudar a mãe, até que entrou no "Sistema". Lá, foram disponibilizados todos os instrumentos: desde arcos de excelente qualidade até uma formação musical sólida, capaz de atender às altas exigências de qualidade da Europa.
Na Bahia, desde junho de 2007, Castro abriu a primeira seleção para crianças e jovens de 8 a 18 anos. Por aqui, o Neojibá ensina a tocar instrumentos como violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, oboé, clarineta, fagote, trompa, trompete, trombone, tuba e percussão. Jovens artesãos são, também, capacitados a reformar e fabricar instrumentos de corda. A primeira orquestra foi formada em 2007, 15 dias após o início dos ensaios, sob a regência do maestro venezuelano Manuel Lopéz Gomes. Desde então, foram diversas apresentações. Em abril de 2008 foi criada a Orquestrinha, grupo infantil que conta com o monitoramento dos membros da Orquestra Dois de Julho. Ao vanguardista, Ricardo Castro, a eterna gratidão dos baianos e da nossa juventude.
*Sócrates Santana é jornalista

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Romper: verbo transitivo

Sócrates Santana


Por muitos, a passagem do ano é encarada como uma ruptura. Uma mudança brusca, uma guinada de 180º. É compreensível refletir desta maneira, mas, diferente da habitual forma de separar a utopia e a realidade, distinguir o ontem e o hoje, dividir a vida e a morte, fender a alma e o corpo, espedaçar a experiência e a memória, interromper a correnteza de um rio e quebrar os dogmas a partir da dicotomia entre o certo e o errado, a ruptura delineia uma continuidade transitória da história e não o contrário. Romper, portanto, é transitar.

Na ruptura, o presente, o fugidio e o efêmero encontram a sua medida de passado. Neste entrelaçar, o que aconteceu, ocorreu, passou, sempre será a referência de um ponto de partida. Afinal de contas, a vida "são" páginas sobrepostas. Sendo assim, o que existe é o que ficou? Devagar com o andor, porque o santo é de barro. Apesar de conter em si a sua porção do que ficou o que existe também é o que virá. Isso significa dizer que a ruptura carrega consigo a vontade de mudar. Romper, portanto, é mudar.

O termo ruptura é um substantivo, oriundo do latim. O sufixo “ura” indica o resultado de uma ação. Não adianta imaginar – de olhos bem fechados - a sensação de aspirar dia 31 de dezembro e expirar adiante, simplesmente, 1º de janeiro. A mudança transita na vontade de aspirar e expirar, mas, principalmente, no desafio de caminhar, dar o primeiro passo. Sair do estágio de inércia, de quem espera as coisas acontecer por si só e escolher entre o sim e o não, que está no horizonte de qualquer decisão. Romper, portanto, é decidir.

Ao longo dos anos, evitei a ruptura por receio de não encontrar o amanhã, o futuro e perder tudo aquilo que já havia construído. Mas, entendi que romper é transitar entre o passado, o presente e o futuro sem medo deste, ser diferente, daquele; que romper é mudar para melhor, ou se não é melhor, é o que tenho vontade de fazer sem medo desta vontade passar e não me levar com ela; que romper é decidir caminhar sem medo de olhar para trás e perceber que o que ficou é mais seguro. Em 2010, romper é sinônimo de transitar até a felicidade.


*Sócrates Gomes Pereira Bittencourt Santana é jornalista.