quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ARTIGO: Vá à Porta do Inferno

Sócrates Santana*

A exposição de Auguste Rodin na Bahia traz a tona um campo de disputas, de conflitos, de descontinuidades, de multiplicidade de discursos sobre a política e as artes visuais maiores que as frases anatômicas contidas nas esculturas do artista francês. Uma disputa que não está restrita aos méritos de quem preparou o terreno para a vinda inédita de 62 peças a capital baiana, mas, as denúncias de um relatório composto por 200 páginas sobre a Bahiatursa e obscuras relações entre os governos carlistas, agências de publicidade e organizações não-governamentais formadas por servidores públicos.
Não é difícil ouvir nas rádios e na internet, gracejos de parlamentares e lideranças partidárias sobre a co-autoria desta exposição, assim como, o reforço de comunicadores “sem memória” desta tese. A imprensa baiana vem sendo conivente com todos os cambalachos das gestões anteriores, principalmente, ao não prestar o serviço de memória da história política regional. Ocorre que os conflitos se dão no campo simbólico, mas, pautado por uma clara tática de jogar para de baixo do tapete um passado nefasto em torno de uma agenda positiva construída pela atual gestão estadual. As atuais secretarias de cultura e turismo, claramente, não tocam no assunto por receio deste enredo sujo resvalar uma gota de sua imundice no cenário do agora. No retrovisor do governador Jaques Wagner tem um bocado de carroças tentando pegar carona nos avanços da política cultural deste governo.
Talvez, se a estátua “O Pensador” de Rodin, pudesse e soubesse o teor do conteúdo do relatório do Tribunal de Contas do Estado, entre 2003 e abril de 2005, que apontava movimentações de R$ 101 milhões por meio de uma conta bancária não registrada no sistema de controle do erário baiano, certamente, iria tirar a mão do queixo e sair correndo, como outra obra do artista, “Homem que anda”. Leia mais: http://www.emilianojose.com.br/cartacapital_366.htm.
Como os franceses estão no meio desta roda baiana, um alerta do filósofo Michel Foucault vem bem a calhar. "É preciso admitir um jogo complexo e instável em que o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma estratégia oposta. O discurso veicula e produz poder, reforça-o mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo". Ou seja: não há um mundo dividido entre dois discursos, admitido ou excluído, dominante ou dominado. O que existe é um oportunismo deslavado de quadrilhas que se instalaram na Bahia por décadas.
Mas, é cabal apontar o quanto fez mal aos baianos e a imagem da Bahia as maracutaias orquestradas pelos caciques de outrora. Dos R$ 101 milhões, R$ 48,1 milhões foram depositados nas contas de uma agência de publicidade, muita ligada a um famigerado clã baiano. O duto percorria um trajeto nebuloso, que incluía governo e ONG pouco ortodoxa. Apesar da atual gestão não possuir qualquer vinculo com as operações anteriores, qualquer pessoa sensata deduziria que se a lama do passado viesse à tona neste cenário belíssimo proporcionado pelo esforço do governo Wagner, o lodo deles poderia encobrir a brilhante obra de Auguste Rodin em exposição na Bahia. Por fim, fica uma sugestão aos maledicentes línguas e viúvas do carlismo. Calem as bocas e vão bater na “Porta do Inferno”.

*Sócrates Santana é jornalista

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Lula e o Internacional

Sócrates Santana

“A eleição é igual ao campeonato brasileiro”, comparou o presidente Lula. A declaração foi concedida, supostamente, a colunista Mônica Bergamo. Primeiro, o supostamente é por decorrência da falta de credibilidade da fonte. No caso a fonte é a jornalista Mônica Bergamo. E a dúvida sobre a originalidade da declaração é que sendo profissional da Folha, só acredito na entrevista se estiver na agenda oficial do presidente. E não estava lá. Mas, se Lula disse mesmo, disse com propriedade. Ele tem toda razão.
No início do campeonato brasileiro, o São Paulo saiu como o franco favorito, ao lado do colorado, o time do Internacional. Mas, o Atlético Mineiro despontou na ponta da tabela, assim como o Palmeiras. O colorado, contudo, perdeu a Copa do Brasil para o Corinthians, mas, manteve viva sempre a chama do campeonato brasileiro. Por fora, correu o Goiás, subindo pouco a pouco na tabela.
Já no início deste ano, as pesquisas encomendadas pela Folha e a Globo apontavam José Serra na cabeceira, seguido por Dilma Roussef, que é seguida por Ciro Gomes e Aécio Neves, tendo a Marina Silva na posição de candidata potencial. Mas, as eleições ainda não começaram.
Como metáfora, diríamos que o Palmeiras é o governador Serra; o Inter, a ministra Dilma; o Goiás, a senadora Marina Silva; o Atlético, o governador Aécio Neves; e o Corinthians, o presidente Lula.
E o São Paulo, quem é? É o único tri campeão brasileiro. E, nenhum dos candidatos a presidente podem alcançar tal façanha, apenas Lula, mas, ele não concorre. E por que Lula é Corinthians e não São Paulo? Primeiro, uma opção pessoal; segundo, é o único classificado para a próxima Taça Libertadores das Américas. O único candidato que não é candidato, mas, pode influenciar muito no resultado final desta corrida presidencial. É como o Corinthians, que ainda que esteja classificado, continua na briga pelo titulo nacional, apesar do baque contra o Goiás, no último final de semana. Assim como Lula, após o anúncio da candidatura da Marina Silva.
E a ministra Dilma Roussef fica como nesta disputa? Fica próxima do Palmeiras, quer dizer, próxima de José Serra. E, o Corinthians, torcendo contra o Palmeiras, como sempre. E o São Paulo também. Ou seja: todos contra o Palmeiras. Quem ganha no final?

Ainda baseado na suposta entrevista concedida a jornalista, continuo este paralelo entre futebol e política. Lula teria dito ainda que o melhor elenco ganha a eleição e que o campeonato só começa quando os times entram em campo. Quem não se lembra da eleição histórica de Leonel Brizola, em 1982, no Rio de Janeiro.
O elenco - no entendimento de Lula - é a composição dos partidos que formarão a coligação da campanha majoritária. E, hoje, vale salientar, o maior partido do país, PMDB, está majoritariamente na base do governo. Assim como o PDT, que diferente de nota plantada na coluna painel da Folha desta terça-feira, está fechado com a candidatura indicada pelo presidente Lula. O ministro Carlos Luppi não cogita lançar candidatura, tanto que na Bahia foi o protagonista de uma articulação que garantiu o ingresso do PDT na base aliada do governador Jaques Wagner.
E por falar no governador baiano, é sempre bom lembrar que entrar no campo é com o PT. Na Bahia, em 2006, Wagner contrariou todas as pesquisas de intenção de votos e venceu no primeiro turno. E, diferente do que preconiza o livro do cientista político Alberto Carlos Almeida, a transferência de votos não é um mito. Na Bahia, Lula transferiu votos ao atual governador Jaques Wagner. Se não Lula, as mudanças colocadas em prática pelo governo Lula. E, certamente, não será diferente com a ministra Dilma.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

De Galego para Galego I

Foto: Manu Dias











Sócrates Santana

Quarta-feira, 26 de agosto. Após sair de Santo Antônio de Jesus, o destino é o município de Milagres (a 241 km de Salvador). Sem sinal de celular, entre altos montes, o carro branco da Casa Civil estaciona numa avenida de paralelepipedo recentemente construída para conectar a nova sede da prefeitura com o centro da cidade. Bem na frente, 200 casas populares erguidas pelo governo baiano, local que recebe amanhã (27) a visita do governador Jaques Wagner (PT), que além das unidades habitacionais, também inaugura a loja 287º da Cesta do Povo.
Num estado onde, de tempos em tempos, se tem a sensação da redescoberta, vislumbrar um município de 12 mil habitantes organizado como um condomínio particular do prefeito Raimundo de Souza (PP) é um assombro daqueles ironizados pelo ex-governador Juracy Magalhães, autor da frase: "Pense no absurdo, na Bahia há precedentes". O prefeito de Milagres é proprietário da maioria dos prédios e terrenos da cidade, alugados ou cedidos a própria prefeitura que administra. "Tudo em casa", diria uma desavisado.
Numa conversa na calçada do Hotel Elite, propriedade do prefeito, na sombra de uma banca do jogo do bicho, um morador da velha guarda revelou o descontentamento de Galego, apelido do prefeito Raimundo de Souza, ao apoiar o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) nas próximas eleições. Por décadas, o município de Milagres é um histórico reduto eleitoral carlista, tendo direito, inclusive, de estampar na entrada da principal escola da rede municipal, a imagem do ex-senador Antônio Carlos Magalhães. Mas, o motorista Mário Luna ironizou: "Prepara o coração meu velho, porque, seu voto agora é de Wagner. Agora é de Galego para Galego", brincou, antes de retornar para Santo Antônio de Jesus. O sol amansou e a noite deu reticências finais ao dia, que já anunciava muito trabalho para a próxima manhã.














Quinta-feira, 27 de agosto. Às 10h30, saindo da conturbada entrevista coletiva do Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus para a então pacata Milagres. A população saiu do centro e caminhou até o campo de barro na beira da estrada para receber o governador. Na espera, os parlamentares Edson Pimenta e Marcelo Nilo. O povo olha para cima, coloca as mãos na testa e aperta os olhos para evitar a poeira levantada pelo helicoptero. Literalmente, as lideranças de Milagres aprenderam a tomar sol e comer poeira com Wagner. Aos gritos, o povo aclamava a união entre Wagner e Galego.
Já na caminhada entre as 200 casas inauguradas naquela manhã, ao meio de um mundareú de pessoas acaloradas pelo achaque do sol, foi revelada a primeira diferença entre os estilos dos Galegos, respectivamente, do PP e do PT.
Alçado no ombro de um eleitor entusiasmado, o Galego do PP encarou naturalmente a imagem do coronel mandatário do curral eleitoral local, bem ao estilo de quem governa com a mão no chicote e a outra no bolso do dinheiro.
Já o Galego do PT, o governador Jaques Wagner, evitou o constrangimento, a imagem tantas vezes achincalhada pela esquerda, de quem assume a carapuça de salvador da pátria. O fotógrafo Manu Dias ajuda o governador e interrompe qualquer tentativa de elevar Wagner à uma condição que vai de encontro aos seus princípios mais elementares. Wagner prefere andar dentro da multidão, ser mais um entre tantos que ajudam a Bahia a crescer e veio mostrar este modo de governar também ao novo aliado Raimundo de Souza, o Galego de cá.
Na beira das escadas do palanque, um empurra, empurra, disse me disse, envolvendo a segurança do prefeito de Milagres e o deputado estadual Edson Pimenta (PCdoB). Tudo por conta do candidato de oposição derrotado pelo prefeito Raimundo de Souza, no último pleito municipal, Márcio Queiroz (PT). A segurança do prefeito agiu de maneira truculenta, agredindo o deputado Edson Pimenta, o candidato do PT local e, justiça seja feita, a segurança do governador também, que tentou de todas as maneiras salvaguarda a integridade física do governador e de todos os convidados. Um verdadeiro arranca rabo, promovido por jagunços do prefeito, temperado por um comportamento combatido veementemente pelo governador baiano, que bradou em seu discurso para a população presente: "Não gosto de valentão, e, onde estou sempre será bem vindo quem esteve comigo em 2006, assim como, quem está agora do meu lado, um aviso aos que não compreendem este novo momento da Bahia, quem entrou, entrou pela porta da frente".
A fala do governador foi determinante para uma mudança brutal de comportamento do prefeito de Milagres, liderança histórica do carlismo. Raimundo de Souza contemporanizou, pediu desculpas ao seu adversário local e deu uma lição daquelas na sua segurança pessoal. E no palanque disse: "A sigla de partido não importa, mas, o homem de trabalho por de trás do partido, como Wagner". O Galego do PP ainda relatou uma ligação de telefone que recebeu do deputado estadual Angelo Coronel (PP).
- Deputado, agora estamos com Wagner, Raimundo de Souza.
- Nascemos Wagner, Angelo Coronel.
Para Wagner, o encontro de Milagres é um divisor de águas. A presença de Otto Alencar e dos parlamentares Angelo Coronel, José Carlos Araujo e Eliana Boaventura naquela visita a um município marcado historicamente pelo carlismo, representou uma das maiores demonstrações políticas do estilo Wagner de governar nas palavras do próprio: "É preciso sempre deixar a porta aberta para uma conversa".

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O hospital de 18 anos











Sócrates Santana

Quarta-feira, 26 de agosto. Saída às 7h. Uma viagem curta de 187 km até o município de Santo Antônio de Jesus, que aguarda há 18 anos a conclusão das obras do Hospital Regional do Recôncavo, visitado amanhã (27) pelo governador antes da inauguração no mês de novembro. De fala mansa e baixa estatura, Mário Luna é o colega e o piloto desta narrativa ziguezagueante pela estreita estrada até a capital do recôncavo.

De pouca conversa, apenas se o assunto for futebol ou a infância em Brotas, Luna relata neste decorrer de tempo a história policial de Batacarso, malandro polêmico do bairro de Brotas. Bom de navalha, apesar de nunca tê-lo visto trocar farpas com ninguém, Luna conta que Batacarso era témido no Engenho Velho e tinha a estranha mania de cortar as nádegas das mulheres da redondeza. Trauma de infância, supõe Luna, que segue na quinta marcha. Já é Santo Antônio de Jesus.

Na porta da cidade do comércio mais barato da Bahia uma parada obrigatória na Rádio Clube. Um conversa rápida e simpática com o radialista Ney Franco, que entre um anúncio comercial e um aperto de mão reclama da diminuição das verbas de publicidade do governo para a rádio em detrimento de emissoras menores, sem diapasão, segundo ele.

Mais adiante, o esverdeado casarão da prefeitura municipal. Escadaria acima e uma recepção acalorada de Creuza Queiroz, ex-vice prefeita de Santo Antônio de Jesus e hoje uma espécie de assessora para assuntos aleatórios. Ela conduz este jornalista até a sala da assessora de imprensa do prefeito Euvaldo de Almeida (DEM), Andréia Sued e a auxiliar Tayala Britto, que ajudou bastante ao fornecer telefone e endereço de veículos de comunicação regionais. Mas, parou por aqui. Percebi que as diferenças políticas impediram um progresso maior das conversações e partir a procura do cerimonial. Na Diretoria Regional de Educação instalada no mesmo prédio da sucursal do jornal A TARDE e da TV Recon, encontrei a avuraçada Rejane Luquine as turras diante do texto de programação da solenidade de anúncio das obras de saneamento básico no município no valor de R$ 11 milhões.

Vinte e duas horas para o evento, o palanque ainda está no chão. Em compensação o hospital está pronto. Ele fica ao lado do Batalhão da Polícia, local que o helicóptero irá sair até o próximo destino, o município de Milagres, logo após o ato em Santo Antônio de Jesus. Wagner aterrissa no estádio municipal, segue para entregar a população o novo ginásio de esportes e depois anuncia novas intervenções na cidade através do Programa Água para Todos no pátio do hospital. Numa caminhada no interior do hospital que será visitado pelo governador, um detalhe chama a atenção no percurso desenhado pela Casa Militar. O banheiro feminino é o atalho para delinear o roteiro. A solução proposta para evitar uma possível piada machista da oposição é pôr um adesivo sobre a placa que indica o “sexo” do toalete. Resolvido.

Um almoço marcado com a direção do site de notícias locais, InfoSAJ, acerto para transmitir em praça pública a entrevista do governador e telefonemas e e-mail´s para jornais e rádio locais, como a Andaiá FM. Já são quase 15h e ainda falta checar o cenário no município de Milagres, segundo destino do mesmo dia 27.


Quinta-feira, 27 de agosto. O movimento da cidade é o de rotina. Apesar das faixas e do anúncio das rádios, as escolas estão abertas. Abre parêntese. Se um assessor político quer identificar se o prefeito está ou não apoiando este ou aquele candidato, basta verificar se os estudantes estão nas ruas. É praxe, infelizmente, os prefeitos aliados deste ou daquele candidato, convocarem professores e alunos, a encherem as praças públicas. Não é o caso de Santo Antônio de Jesus. O prefeito é Euvaldo de Almeida Rosa, dos Democratas. Fecha parêntese.

Wagner pousa no estádio municipal. A comitiva seguiu até o Conjunto Habitacional Urbis II, rumo a recém construída quadra poliesportiva com cobertura de Santo Antônio de Jesus. A obra é um investimento de aproximadamente R$ 378 mil, viabilizada pela Superintendência de Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), que investiu na Bahia em apenas dois anos e meio, cerca de R$ 12 milhões na reforma e construção de novas praças esportivas somente no interior baiano.

O governador troca passe com um garoto na quadra e corre para visitar as instalações do Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus. Um enxame de radialistas, jornalistas, papagaios de pirata e lideranças locais quase arrombam a “entrada exclusiva” para o governador, fotógrafos e cinegrafistas acompanharem a visita ao hospital. Abre parêntese. A equipe do cerimonial, a assessoria de imprensa e a Casa Militar bem que tentaram organizar a entrada no hospital. O mar de gente, no entanto, abriu uma exceção por conta própria. Fecha parêntese.

A entrevista coletiva correu bem, apesar do assessor 01, Ernesto Marques, não concordar com a escolha do local para a realização da mesma. O local foi isolado por fitas e uni-filas pelo assessor 03, mas, os radialistas e jornalistas da região não respeitaram a área de isolamento. “Isso ocorreu também no Hospital de Juazeiro”, disse Ernesto, ponderando, contudo, que o governador esteve muito a vontade na entrevista. Ernesto acompanha a solenidade e sigo para o município de Milagres para cobrir em tempo a passagem do governador por lá. Antes, contudo, um popular respira aliviado e diz: "Finalmente, o hospital está pronto". Mais adiante, assim que coloquei os pés no carro, um radialista puxa meu braço e brinca: "Hospital completa maior idade e Wagner tem voto garantido", promete a manchete.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Os engraxates I


Sócrates Santana

Quinta-feira, 13 de agosto de 2009. Saída às 9h. O interfone toca e o porteiro avisa: "O carro já chegou". Peço para aguardar cinco minutos. Escada abaixo. De camisa alaranjada, lentes de coronel e rugas amarradas, o motorista Abdul Legalle aguarda sem descolar o calçado de dedos para fora do pedal. Pronto, de sacola atrás do banco, Legalle seguiu vagarosamente até a BA 93, sentido agreste de Alagoinhas, município de Olindina. Lá, o governador Jaques Wagner inaugura obras do Programa Água para Todos e celebra 51 anos de emancipação política com a população, que realiza a micareta local. Na tentativa de ganhar a confiança de Legalle, puxo conversa e pergunto: "Gosta de carnaval". Ele é taxativo: "Não, prefiro ficar em casa". Pouco a pouco, Legalle desiste das monossílabas e antes de percorrer os 202 km entre a capital e Olindina, consigo tirar do colega de viajem a "origem mestiça", como o próprio diz, da família. O pai, filho de francês. A mãe, árabe. Da relação, numa espécie de êxodo via oceano atlântico, nasceu no convés do navio, Abdul Legalle.

Após duas horas e minutos adiante, Olindina. A primeira porta é a prefeitura. O porteiro é o presidente do PT municipal, o João sem confusão. Faz comentários sobre a região e indica o caminho até a sala do prefeito, João Ribeiro (PSB), que está reunido com o cerimonial do governador, representado pelo marombeiro das cinco da matina, Cléber. Na ocasião, o prefeito transfere para a assessoria uma série de demandas locais, como a construção de uma praça pública para a juventude no valor de R$ 800 mil, projeto que já conta com o apreço do secretário de Desenvolvimento Urbano, Afonso Florense.
O contato com a imprensa é realizado por telefone e a tarefa é compartilhada com o sonâmbulo Edmundo Filho. Abre parêntese. Uma verdadeira antena parabólica, uma onda quântica que trânsita pelo sistema de radiodifusão da Bahia. Diz a lenda que Edmundo Filho não dorme há 2 anos. Fecha parêntese.
Ainda resta no roteiro o reconhecimento da área: estádio para o pouso do helicóptero, dando prosseguimento ao palanque. Por sinal, um outdoor de cervejaria, prontamente encoberto por uma lona preta. No carro, ligo o som na rádio Luandê FM, que anuncia: "Amanhã, a cobertura da visita do governador Jaques Wagner em Olindina, aqui, na Luande FM", penso comigo: "Deu certo ligar para a rádio" e continuo sintonizado na emissora sergipana. "A verdade é que Wagner tá indo na Bahia inteira e levando água boa para muita gente que corria atrás de carro pipa", comenta o radialista. Enquanto isso, um garoto tira o meu sapato repentinamente e começa a engraxar. Sai por R$ 1. Danilo é o nome dele, o engraxate. A tarde finda e o sol desaparece. É noite.

Os engraxates II

Foto: Manu Dias













Sócrates Santana


Sexta-feira, 14 de agosto. A população de Olindina acorda cedo para acompanhar a marcha cívica de 51 anos de emancipação política da cidade. O tilintar da banda da escola militar é acompanhado por jovens devidamente fardados, apesar da ensolarada manhã na avenida Otávio Mangabeira, ao lado do deteriorado mercado municipal.
As horas são curtas e o governador aterrissa no município ao lado da deputada federal Lidice da Mata , o secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pelegrino e o deputado estadual Ubaldino. De sorriso largo, Wagner não perde tempo. Entra no carro e segue até as intermediações do palanque. Avista uma mercearia e resolve bater um papo com o dono sobre as quinquilharias do comerciante. Tira foto e na saída é surpreendido por um pequeno engraxate. "Governador, vai fazer o sapato". Wagner pergunta: "Porque você tá todo cheio de graxa deste jeito" e explica que não pode fazer o sapato.
Apesar do clima de micareta, a população reivindica a instalação do comando da polícia militar na região. Wagner não vacila e garante o retorno do comando. Continua e revela para os olindinenses o sentido desta visita. "Venho anunciar uma revolução silenciosa. Uma obra aparentemente pequena, que os políticos não gostam de fazer, porque ninguém ver, mas, que muda o jeito das pessoas viverem e que as pessoas não esquecem, porque precisam dela todos os dias, a água".
E quem pôde visitar uma dessas famílias que entendem o significado das palavras do governador vai compreender a dimensão desta iniciativa. Ao invés de pôr no canto da cozinha baldes cheio d água para as eventualidades diárias, como lavar um copo, tomar banho ou enxaguar a roupa, agora basta girar a torneira para ter água sem sair de casa nem correr atrás de carro pipa. Ao menos será assim para os moradores das comunidades de bebedouro, Bom Viver, Cascalheira, Cento e Dois, Colônia Nova, Funil, Lagoa Sexa, Mia Gato e Nova Minação.
As pressas, uma vaga de volta no avião, saindo de Cipó, ao lado do jornalista e assessor 01 do governador, Ernesto Marques, o capa preta e cidadão de Itambé, Nelson Simões, e o presidente da Companhia de Engenharia Ambiental da Bahia, Cícero Monteiro. Um retorno embriagado de recordações da infância, deles.



terça-feira, 11 de agosto de 2009

Os homens de chapéu

Foto: Manu Dias











Sábado, 1º de agosto de 2009. Saída às 6h30. O destino, o município de Rafael Jambeiro (a 217 km de Salvador). O roda presa da vez é o motorista Aldemir, aos comparsas "Mimi". De ar condicionado baixo (nível 1), engata a segunda e segue pela estrada do côco para buzinar na corinthiana residência do jornalista e assessor 02 do governador, Isaac Jorge.
Abre parêntese. O "zero dois" é uma invenção de um carioca abaianado, Eduardo Eurico. Aliás, prática questionável de rotular as pessoas com piadas de redação, malmente o foca da vez "se achega" e já ganha a toga de 03. Fecha parêntese.

Uma cidade misérrima, como a maior parte da Bahia. O governador Jaques Wagner pousa no terreno batido e é recepcionado pela prefeita petista Cibele Carvalho, que puxou o galego pelo braço até a recém inaugurada Unidade de Saúde da Família Firmino Carmo, nome de uma família tradicional da região.

O narrador improvisa: "Quem tem pé vai a pé", logo após a inauguração da USF. Um mundareú de gente repentinamente circunda a comitiva até o Centro Digital de Cidadania, que também será entregue pelo governador. Placa desvelada e um percurso de barro antecede uma calçada de paralelepípedo rumo ao centro da cidade.

Ao longe, um palanque rodeado pela população. Uma filarmônica harmoniza o cenário de visita ao interior, que no chapéu sertanejo revela o andar ou desandar entre um discurso e outro. A mão no queixo, o semblante compenetrado, a destreza de cada piscar. A prefeita fala e é aplaudida. A caneta anota os nomes dos secretários das barbichas e óculos, Rui Costa e Afonso Florense, assim como os deputados, Paulo Rangel e Bira Coroa.

O governador elogia e visualiza a vida das pessoas que vão enxergar a noite sem o candeeiro e beber água sem caminhar com a cuia na cabeça. É o Luz e o Água para Todos. Por um lado, tem gente que vai acender pela primeira uma lâmpada, por outro, vai tomar um copo d´água pingando da torneira de casa.