sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ensaio sobre a lucidez

Sócrates Santana
Se uma imensa maioria silenciosa, 36 milhões de pessoas, deixasse de ir às urnas, Cristina Kirchner, não seria eleita presidente argentina, nem Nicolas Sarkozy, primeiro-ministro francês, tão pouco Angela Merkel seria a chanceler alemã. No Brasil, 4,7 milhões anularam o voto, 2,5 milhões votaram em branco e 29 milhões se abstiveram, dentro de um universo de 136 milhões de eleitores aptos a votarem. Mas, Dilma Rousseff foi eleita presidente, amontoada entre centenas de outros candidatos.

Diferente desses países, o Brasil reúne no único balaio de gato candidatos à presidência, governadores, senado, deputados federais e estaduais, descaracterizando a democracia ao legitimar meses após o sufrágio um aumento imoral de 62% autoconcedido aos parlamentares ontem (16). O Estado possui a função primordial de manter a ordem e a estabilidade, por meio da conservação de sua própria integridade. E a integridade do Estado vem sendo jogada no ralo.

Não fosse os altos indices de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a postura democrática do torneiro mecânico, que rompe a história golpista do país, ao não manobrar em prol de uma terceiro mandato, a democracia brasileira voltaria ao estágio de utopia. É preciso – urgentemente – dividir os períodos de convocação da população apta a votar. Senão, iremos acordar numa manhã chuvosa, como a narrativa de José Saramago, percorrê-lo por todo o dia e cessá-lo, após a apuração das urnas, perante um paradoxo vazio e ausente de eleitores.

Caso está destopia ocorrer, não haverá tempo de emendar o erro, por meio de uma nova eleição, nem espaço para rigoroso exame de consciência. O tempo é agora. Há uma crônica anunciada que afirma, pouco a pouco, a sociedade brasileira derruba a crença de que o espaço público é domínio do Estado. O espaço público é também constituído por atores públicos não-estatais, fora do aparato do Estado, tipicamente agrupados na sociedade civil. É claro, cabe, aos atores sociais pressionarem as administrações públicas, por meio de uma cidadania ativa, para que a esfera política seja construída com base no público.

Infelizmente, no estado baiano, o público continua sendo ignorado pela tríplice candidatura à reeleição a presiência do legislativo estadual, assim como Rio Grande do Sul e Pernambuco. A correria é para votar o reajuste na próxima semana, a última antes de encerrar os trabalhos legislativos do ano. Os deputados de Minas Gerais e Rio de Janeiro já tinham garantido, desde legislaturas passadas, o aumento automático vinculado à decisão do Congresso. Todos adiantam o passo para colocar na pauta, antes do fim do ano, projetos que garantam a remuneração de cerca de R$ 20 mil aos deputados estaduais - 75% do que ganham os parlamentares federais, teto previsto pela Constituição.

Mas, o silêncio perante essas obcenidades no Congresso, pode vir como um grito por um sistema diferente que possa atender, de fato, aos anseios da população através de uma atividade explícita e lúcida que diz respeito à instauração das instituições desejáveis e da democracia como regime da máxima auto-instituição possível.

O desalento, contudo, é ainda aguardar um longo caminho até a aclamada revolução democrática anunciada aos quatro ventos por aí. Resta a esperança de quem sabe numa próxima marchinha ou samba enredo no próximo Carnaval, alguém rabiscar versos de olê, olê, olá, saíamos do ensaio, a lucidez vai passar.

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