Sócrates Santana*
Pra onde vai uma canção depois do acorde final? A pergunta soa só poética, mas, ao menos para 100 jovens do Núcleo de Estudos de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojibá), a resposta está perto da idéia do que poderíamos chamar de "fazer história". Tal sentimento aumentou após a edição número 30 da Revista Muito editada pelo jornal A TARDE, que deliciou os leitores com uma entrevista épica do pianista Ricardo Castro, novo diretor da Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) e principal responsável por uma revolução feita de música de concerto para consertar uma lacuna histórica.
O pianista baiano, natural da cidade de Vitória da Conquista trocou a carreira de sucesso na Europa para transformar a Bahia no maior celeiro de jovens músicos eruditos do país. Depositou no novo governo a crença de uma política permanente de inclusão social da juventude por intermédio da música, inspirado no Sistema Nacional de Orquestras Infantis e Juvenis da Venezuela. Trata-se de uma política de Estado idealizada em 1975 pelo venezuelano José Antonio Abreu, que compreende hoje uma rede de mais de 210 orquestras na Venezuela, atendendo a cerca de 240 mil jovens em todo o país, em sua maioria de baixa renda.
A esperança de Castro enche todos de entusiasmo. Ela recoloca no debate público o papel do artista para a transformação da sociedade e o protagonismo juvenil na seara de qualquer discussão sobre políticas públicas. Sem dúvida, uma empreitada que desafia a lógica de um estado que ignorou por décadas a música e a juventude, e que engessou a nossa arte ao Carnaval de Salvador e as nossas crianças as latinhas. São simplesmente "música para os ouvidos" as palavras de Castro, que participa de uma nova vanguarda, desbravando a Bahia e diminuindo desigualdades ao lado de meninos e meninas da periferia. Em breve veremos a apresentação de um baianinho tão talentoso quanto o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que aos 27 anos atingiu a excelência, quando a maior parte dos músicos leva 40 anos. Dudamel foi convidado para substituir, a partir de 2009, o finlandês Esa Pekka-Salonen na direção musical da Filarmônica de Los Angeles.
A façanha não é pequena. Dudamel começou a estudar em 1999 na Orquestra Sinfônica Juvenil Simón Bolívar, vitrine da excelência do "Sistema", que revelou também o mais jovem contrabaixista da história da Filarmônica de Berlim Edicson Ruiz, admitido na orquestra aos 17 anos, e hoje com 21. Edicson foi abandonado pelo pai na infância, e trabalhava como empacotador em um supermercado para ajudar a mãe, até que entrou no "Sistema". Lá, foram disponibilizados todos os instrumentos: desde arcos de excelente qualidade até uma formação musical sólida, capaz de atender às altas exigências de qualidade da Europa.
Na Bahia, desde junho de 2007, Castro abriu a primeira seleção para crianças e jovens de 8 a 18 anos. Por aqui, o Neojibá ensina a tocar instrumentos como violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, oboé, clarineta, fagote, trompa, trompete, trombone, tuba e percussão. Jovens artesãos são, também, capacitados a reformar e fabricar instrumentos de corda. A primeira orquestra foi formada em 2007, 15 dias após o início dos ensaios, sob a regência do maestro venezuelano Manuel Lopéz Gomes. Desde então, foram diversas apresentações. Em abril de 2008 foi criada a Orquestrinha, grupo infantil que conta com o monitoramento dos membros da Orquestra Dois de Julho. Ao vanguardista, Ricardo Castro, a eterna gratidão dos baianos e da nossa juventude.
*Sócrates Santana é jornalista
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